Feliz na aldeia global!!! (A Saga do Caminho 13)
Tudo tão diferente, ai ai ai ai, que dia mais fantástico. Meu humor era outro, estava deixando o sofrimento para trás, e com este novo modo de ver as coisas tudo começou a favorecer minha nova jornada. Saímos da capital da província, e escolhemos um dos melhores lugares para tomar café-da-manhã do caminho: Tardajos. Bem, Tardajos está a cerca de 9 km de Burgos, assim é importante dizer que havíamos comido algo antes da saída, mas nada comparável ao que íamos saborear neste pequeno povoado, e no Bar Pececitos. Um sanduíche ma-ra-vi-lho-so, e ba-ra-to. Tudo neste bar custava 1 euro! E posso lhes dizer que sem sombra de dúvida a relação custo-benefício foi uma das melhores do caminho.
E quando uma pessoa está disposta a ser feliz tudo ajuda. Quando estávamos chegando na bela cidade de Rabé de las Calzadas fomos abordados por uma senhora, que disse que nos queria dar algo. Antônio se assustou porque havíamos escutado uma história de uma senhora que te oferecia comida e depois te cobrava um preço absurdo, e que ia te xingando até que você pagasse. Mas eu sentia que a senhora era do bem, e aceitamos depois dos olhares prá lá de desconfiados do Tom o dito presente: duas medalhas e duas fitas de “La Virgen del Pilar”. Guardamos as medalhas e amarramos a fita em nossas mochilas (em alguns dias descubrimos o significado desta fita!).
O Antônio é agnóstico, mas de qualquer maneira também colocou a sua – “No creo en las brujas, pero que las hay, las hay”. Em Rabé as pessoas foram muito amáveis conosco, e a cidade merece que você tire sua máquina para retê-la em seu cartão de memória e nunca mais esquecê-la. São casas grandes e antigas de vários tons de marrom, e todas com muitas flores nas janelas. Na saída de Rabé, uma grande surpresa, um elevador no meio do nada, para vocês não pensarem que é história de pescador, aí vai a foto. Era muito engraçado, um elevador aí no meio do pasto, aquilo nos intrigou, mas não havia uma viva alma para que púdessemos perguntar por aquela coisa maluca, e ademais devíamos prosseguir, ainda tínhamos muitos quilômetros pela frente …
Já havíamos andado quase 20 Km quando avistamos Hornillos del Camino, que já se chamou Forniellos, pelos fornos utilizados pelas olarias, e na fabricação de gesso. Este povoado que já pertenceu a um mosteiro dirigido por um francês, e já abrigou um hospital para leprosos, actualmente conta com quatorze quilômetros quadrados de área e 76 habitantes. Apesar de ser basicamente formada por algumas ruas, a cidade oferece serviços ao peregrino e dá sinais que o caminho possibilitou sua manutenção e inclusive certa revitalização.
Como dizia, para chegar a Hornillos devíamos enfrentar uma pequena descida, e aí a primeira prova para minha sandália – descer de costas!!! E a sandália aprovou com honra! E nesta descida vimos pela última vez um grupo que saiu no mesmo dia que nós de Roncesvalles: dois italianos, um britânico e uma americana. Eles que vinham caminhando mais rápido, estavam meio destroçados, e foi uma pena, mas cada um faz seu caminho ao caminhar, e para nós ainda restava mais de dez quilômetros antes de chegar ao nosso destino treze, e eles pararam em Hornillos para o “descanso dos justos”. Também neste dia, vimos pela última vez nossa amiga brasileira, a mãe coragem de Ventosa, lembram?!
Em Hornillos comemos com esta amiga, e seguimos. Até Hontanas passamos por relevos bastante planos, e por pessoas bastante diferentes, como este escocês caminhando com o Kilt!!!Ao final da tarde chegamos em Hontanas, que apenas se vislumbra quando já se está em cima da cidade (literalmente). A cidade se encontra como num pequeno vale … Em Castilla, as cidades ou eram construídas em vales que dificultavam sua visão, ou nos poucos montes, para que a cidade tivesse uma visão privilegiada do inimigo!
Em Hontanas, que é bem pequena, encontram-se duas opções de hospedagem, um albergue público e outro privado. Neste dia experimentamos a típica comida castelhana e fomos servidos por uma cubana. O mundo é realmente pequeno, e por isso nosso grande investigador lhe apelidou de aldeia global. Os homens podem estar bastante próximos uns dos outros, mas é incrível como cada vez mais a intolerância ataca, como o grande contra-valor do século.No caminho todos os povos estão juntos e todos se respeitam, pena que tudo se acabe na chegada a Santiago … Mas vale a pena viver esta “utopia”, para seguir tendo esperanças na humanidade.
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Imagens: turomaquia_2006