eu x eu (A saga do Caminho 3)
Despertei com dor, e o corpo não querendo saber de caminhar. E logo no dia que chegaríamos a barreira dos 30 Km. Volto a insistir, só faça o caminho com teu ser amado se o vosso amor já está consolidado ou se ele/ela é um anjo na terra, porque sinto informar que caso contrário a relação vai terminar antes que você abrace a Santiago!
Os primeiros 6 Km até Larrasoaña foram intermináveis. O povoado é muito charmoso, e suas origens remontam à Alta Idade Média. Aqui passou algo milagroso, meu humor melhorou muito, mas segundo Antonio o milagre tem nome e apelido: comida + bom serviço.
O bar está a 500 metros da entrada da cidade, mas vale a pena andar este tramo e parar um pouco por aqui para comer o delicioso “bocadillo” (sanduíche de pão com diversos recheios) de tortilla de chorizo (tortilla = fritada; a fritada com batatas se chama “tortilla espanhola”). E para minha surpresa, o dono do bar conhecia Curitiba, não porque visitou a cidade, mas porque têm muitas amigas curitibanas. E de repente, este homem diz a Antonio: “Cuidado, as mulheres de Curitiba são dominadoras, são verdadeiras leoas!”. No bar estavam outros peregrinos, e assim em boa parte do caminho de vez em quando escutava brincadeiras sobre a leoa curitibana.
A partir de Larrasoaña, o caminho é fascinante até chegar perto de Pamplona. Esta foi uma das minhas etapas favoritas. Bosques, caminhos largos, caminhos estreitos, campos com cilindros de palha para o inverno, montanhas ao fundo, enfim é uma etapa aonde não se pode falar em monotonia.
A Catedral de Pamplona se deixa ver quando estamos no povoado de Burlada, e a entrada da cidade se dá por uma ponte e pelas antigas muralhas. É uma das entradas mais bonitas quando se fala das grandes cidades que atravessa o caminho.
Pamplona é famosa pelas Festas de San Fermín. Estas festas se celebram em julho, durante 9 dias. Do segundo ao oitavo dia acontecem os “encierros”, que são as corridas de touros pelas ruas da cidade. O percurso tem cerca de 800 metros, e o espetáculo dura de 2 a 3 minutos. Existe toda uma tradição nestes “encierros” assim como nas touradas, e portanto é algo ritualizado, e composto por personagens. Uma coisa bastante interessante é que os “mozos” pamplonenses que vão levando os touros para que não parem ou mudem de direção estão aí para proteger aos touros, e não às pessoas! Mas as festas de San fermín são muito mais do que os “encierros”.
Na saída de Pamplona se passa pela Universidade de Navarra, e através da estrada nacional se chega a Cizur Menor. Uma cidade medieval que alberga uma jóia do caminho, o albergue privado de Maribel Roncal.
Neste albergue um fisioterapeuta (amigo de Maribel) fez uma massagem no meu joelho esquerdo, mas o que foi mais importante: “Niña, esto no es nada, tú vas a llegar”. Esta confiança era a única coisa que eu necessitava, em um momento em que quando chegava ao nosso destino diário já não tinha forças para nada. Em um momento que caminhava como o Robocop. Sim, era um tanto quanto ridículo, mas era meu desafio e em verdade “me daba igual” qualquer opinião alheia, estava em comunhão com forças muito maiores, e em contra do meu corpo que queria desistir. Estava travando uma luta contra mim mesma, e isto sim era difícil e penoso …
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Imagens: turomaquia_2006