Museu Nacional do Rio de Janeiro: a crônica da morte anunciada dos nossos museus
“Quando alguém morre, eu sou atingido, porque pertenço a humanidade.
Por isso não me pergunte por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti”.
Hemingway já proclamou nosso laço, independente do lugar de nascimento. Por muito que os nacionalistas, ignorantes da poesia, da prosa ou da história queiram repudiá-lo. Portanto, hoje não choram apenas os brasileiros pelas chamas que levaram partes de todos nós. O Museu Nacional do Rio de Janeiro pertencia a humanidade.
Mas deveríamos usar nossa raiva, nossa indignação, para atuar. Lágrimas já se mostraram pouco eficientes em outros tempos, de igual ou maiores desgraças humanas. Há que entoar o “mea culpa”. Porque o descaso com os museus também emana dos cidadãos. Não é só coisa de político que fomenta uma ignorância que lhe beneficia.
Quantos museus brasileiros você visita de média em 1 ano? A este número, reste aqueles que visitou por uma exposição de um artista ou evento de caráter internacional. Ou seja, por uma exposição temporária. Para a maioria o resultado será zero. Poucas pessoas visitam o acervo de seus museus locais, não existe o hábito. E se falamos de museus de outras disciplinas que não sejam a arte, a coisa vai de mal a pior. Porque (graças a Deus) os museus não são parques temáticos que apenas trabalham com o torpor de nossos sentidos, que é as vezes se faz necessário. Nos museus é necessário pensar, se questionar, e isso cansa!
Infelizmente, não consegui aceder aos dados de número de visitantes no Museu Nacional do Rio de Janeiro*. Mas uma reportagem da “Folha de São Paulo” de 2017, apontava que o museu mais visitado no território nacional em 2016 tinha sido o Museu do Amanhã com 1,4 milhões de entradas, num país com mais de 200 milhões de habitantes. Sem contar que estes números devem incluir os escolares.
O mais triste é que a mesma reportagem afirmava que esse museu tinha uma visitação maior do que a recebida por outros 3 grandes museus que somavam 977 mil entradas. Estes museus eram: MIS-SP, Museu de Arte do Rio de Janeiro e MASP.
O MASP tem um dos melhores acervos de arte da América Latina e em 2017 recebeu menos de 500.000 visitantes.
Não é questão de jogar a culpa novamente no cidadão, mas é preciso dar oxigênio aos museus. O que só é possível se eu e você passamos por suas portas e assim, permitimos que eles façam sentido. Museu sem gente é museu fadado a morrer.
Tampouco basta com entrar e sair, nós temos que dar vida e viver o museu. Temos que exigir, reclamar, recomendar, bem como elogiar o que se faça bem. Se você quer que aquele museu da sua cidade não vá a pique, desapareça pouco a pouco, uma boa ideia é se fazer “amigo do museu”. Muitas instituições criam uma fundação de amigos para pagar gastos importantes, mas que a autoridade municipal, estadual ou federal não paga, por diferentes circunstâncias.
Os museus também tem sua parcela de culpa. Quantos pararam no século 19 e esquecem que já não existem para justificar um estado nacional, mas para manter nossa identidade e memória cultural. São museus que sequer oferecem um bom guia didático, que os vigilantes parecem que vão te atacar a cada passo, em que nos sentimos intrusos, com medo, coagidos. Lugares que os funcionários parecem sempre ter acordado de mal com a vida, uma tristeza!
Todo mundo tem sua parcela de culpa, mas para que isso não volte a passar, o que você pretende fazer? Mostrar sua indignação nas redes sociais? Ok, isso está muito bem, mas você sabe que daqui 5 dias essa será uma notícia velha. No Instagram em 24 horas. Bramar não basta, é só o começo do processo. Todos temos problemas, faz parte do viver. Ao invés de grandes projetos tão difíceis de executar, porque não nos centramos em nosso dia a dia e incorporamos uma visita a algum museu a cada 2 meses, isso já seriam 6 museus por ano. Algo simples, indolor.
Alguém ressabiado, já deve estar falando que esqueci da educação. Não esqueci, mas já está devidamente comprovado cientificamente que uma criança que foi ao museu só com a escola não incorpora o hábito de visitar museus quando for adulto. Se a criança não experimenta o museu em seu tempo de ócio, para ela nunca será entretenimento.
Tanta gente faz das tripas coração para levar seus filhos ao Beto Carrero, a Disney. Um grande esforço econômico. Nos grupos que pipocam no FB, nos blogs especializados, os pais se preparam à exaustão maquinando as melhores estratégias para visitar os parques. Parecem estratégias de guerra, devemos chegar antes das 8:00, para estar no brinquedo X tal hora e fazer o parque no sentido anti-horário e por aí vai. Porque não se preparar, nem digo desta forma, mas com um pequeno interesse, para levar seu filho ao museu da esquina?
Não sou contra o parque temático, porque não quero ter a postura dos nacionalistas que se empenham em nos dividir em bandos, em decidir por uma coisa ou outra, quando podemos desfrutar de ambas.
Ah, todo mundo tem culpa, menos os políticos? Claro que não, mas desde que o mundo é mundo passa a mesma coisa, acho que já aprendemos há tempos que sentar, não faz a hora, não faz acontecer.
Há algumas semanas, o pessoal esbravejou pelo fechamento de várias revistas da Editora Abril, hoje é dia de chorar pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro. Mas chorar quando tudo já desmoronou é desperdiçar nossa força.
Temos que acabar de uma vez por todas com esta sensação absurda que a cultura é grátis. No último 18 de agosto, Richard Sennett afirmou para o jornal El País: “Lo gratuito conlleva siempre una forma de dominación”.
Quem paga para que um jornalista possa pesquisar, ir a fundo numa história? Quem paga para que um escritor tenha tempo suficiente para criar uma boa narrativa?
Desde que as revistas fecharam, quantos jornais você comprou? Quantos livros? Se ninguém comprar nada, esperando conteúdo de qualidade gratuito, mais editoras vão ter que fechar as portas, mais escritores terão que se dedicar a escrever o que demanda o mercado e não nossas mentes.
O mesmo acontecerá com os museus, apenas permaneceram aqueles de fácil assimilação, que entorpeçam mais nosso corpo e menos nossa alma.
Assumindo minha parcela de culpa, a partir de outubro me comprometo a começar uma série de arte brasileira no YouTube. E você, o que pode fazer para fortalecer nossa cultura? Virar as costas e chorar a próxima desgraça? Porque a única certeza é que se não fizermos nada, outra virá. Esta é uma crônica de uma morte anunciada. O que você vai fazer com esta informação, já é coisa sua!
* Encontrei uma reportagem que dá conta do número de visitantes em 2016: menos de 118.000 visitantes (Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/05/bicentenario-museu-nacional-o-mais-antigo-do-pais-tem-problemas-de-manutencao.shtml)