Dificuldades … (A Saga do Caminho 2)
Às 6:00 da manhã, as luzes paulatinamente se acendem, e uma música ao estilo gregoriano ressoa pelo albergue. Estamos na parte de cima de umas bicamas, e despertamos com nossos outros 98 companheiros. Dormimos em um antigo “hospital” de peregrinos. Os hospitais de peregrinos eram os refúgios dos antigos caminhantes de Santiago da Idade Média.
Despertei sem nenhuma dor, e aquela música me fazia sentir em um tempo distante em que os peregrinos corriam perigo de vida ao realizar o Caminho a Santiago. Começava a rotina de dormir nos albergues. Algo que se acostuma rapidamente. Recolher o saco de dormir, reunir a roupa, a pasta e escova de dentes e ir até o banheiro. Voltar, arrumar a mochila, passar um creme nos pés, e colocar as duas meias.
Sim,duas meias, e não é outra besteira! Isso pode ser decisivo no tipo de caminhada que você vai fazer. A primeira meia é de nylon, e se calça ao avesso, para que nenhuma dobra venha a roçar o teu pé, porque qualquer roçamento pode gerar uma bolha. E você já caminhou com uma bolha? Eu até então nunca, e é (com o perdão da palavra, mas é a que melhor se encaixa) uma merda! E a segunda meia, é uma meia normal de esporte, que protege teu pé dos possíveis roçamentos com o tênis.
Ao sair de Rocensvalles já demos de cara com uma antiga cruz do século XI. O caminho está repleto de cruzes. Elas muitas vezes te avisam que está no caminho certo, ou seja, é um aviso de fé e de orientação. O caminho não é só um ato religioso para muitos. Também é uma forma de fazer turismo barato, mas até aqueles incautos que chegam com apenas este objetivo são tocados por esta antiga via apia romana.
Estamos em uma das mais ricas comunidades autônomas espanholas– Navarra. Os povoados são lindos, as casa saídas de contos de fadas. E eles aqui também falam euskera, o idioma do País Vasco, por questões históricas. Ao se conhecer a história de Espanha se compreende porque existem tantos idiomas e outras diferenças culturais. Foram povos que se uniram por guerras, por acordos. No caso de Navarra foi por um acordo, tanto que até hoje eles mantém algumas diferenças em relação às outras comunidades porque conquistaram certos direitos através do acordo de união com o Reino de Aragón.
Voltando ao caminho. O segundo dia começava a 950 metros de altitude, entre várias subidas e descidas, ao final do dia estaríamos a 550 metros. Eu como uma louca começo a descer mais rápido, e o inevitável acontece, quase chegando a Zubiri (nossa próxima parada) o joelho esquerdo diz: “Chega!”. Começo a sentir uma forte dor atrás do joelho, dizem que tive uma sobrecarga, só vou saber quando for na próxima semana ao ortopedista. Bem, não importa muito, o fato é que doía! Tive que caminhar cerca de 5 km, com a perna esquerda estendida. Imagina: caminhando sem dobrar o joelho esquerdo, a que velocidade se caminha!?
Cheguei meio mal-humorada, mas o legal é que nestas horas você percebe quanto o teu ser amado realmente te ama. Eu teria me dado às contas, mas meu homem, forte, sensível e com uma paciência de jó, resistiu com um humor incrível! Cheguei a dizer que tudo aquilo era absurdo, que ia pegar um ônibus a Madrid e um avião ao Brasil. Que eu não tinha necessidade nenhuma de sofrer!O Caminho de Santiago é duro! Arranca o teu melhor e o teu pior, e neste dia, bem … nem necessito dizer que …
Chegamos ao albergue de Zubiri, que não era lá essas coisas, e meu bico cruzando os Pirineus! Para que tenham uma idéia, o banheiro feminino estava fora do albergue, na esquina, em uma espécie de contenedor gigante.
Eu reclamei muito, e depois me arrependi bastante. Eu não sei calar esta minha boca grande! E neste dia fatídico, conheci a pessoas incríveis neste albergue. Gente de todas as partes de Espanha. Gente que me fez sentir vergonha da minha pobreza de espírito, e fui dormir feliz, com o coração repleto de amor e de uma tranquilidade que me tomou o corpo.
Tive a primeira noite maravilhosa do caminho – não dormi, literalmente, desmaiei!Descobri algo que pode soar meio babaca, que sofremos por coisas idiotas! Por coisas que pensamos que necessitamos, por imagens estereotipadas de situações, de pessoas, de sentimentos que nunca acontecem. É claro que amanheci com dor, mas já não tinha aquela sensação de angústia e de não saber porque estava me dispondo a tudo isso!
Acordei em paz, e já havia caminhado 46 Km, e muitas dores, tristezas e felicidades estavam por vir …
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